Um
contraponto às afirmações de Mia Couto no vídeo As colonizações e a língua portuguesa
Na aula de História da
Língua Portuguesa, do curso de Letras, assisti a um vídeo do escritor
moçambicano Mia Couto que me levou a algumas reflexões que compartilho aqui com
vocês. Mesmo não trazendo nada de novo, que não tenha sido escrito antes,
acredito ser pertinente que essa discussão seja feita em relação ao contexto
desse vídeo:
A diferença da língua
portuguesa falada no Brasil em relação a outros países se dá pelo fator
histórico, conforme afirma Mia Couto em As
colonizações e a língua portuguesa, mais que isso, carrega uma identidade
cultural por conta da língua dos povos indígenas que aqui já habitavam, também
dos imigrantes que vieram para trabalhar e dos africanos que foram arrancados
de suas terras para serem escravizados no Brasil. O escritor diz que a língua
portuguesa utilizada no Brasil é diferente de outras por causa de um
posicionamento de resistência, em demarcar autonomia através da língua após ser
um país independente. Os povos que aqui já habitavam e os que vieram para cá – por
diversos fins – exerceram um papel fundamental nessa demarcação.
Contudo, é possível inferir
também que nem toda resistência na língua portuguesa se deu pela mesma
finalidade. Muitos povos preservaram traços de sua língua para que a cultura europeia
não predominasse em detrimento do total apagamento das identidades que os
europeus tentaram invisibilizar, de negros e indígenas. A intelectual, antropóloga
e professora Lélia Gonzalez estudava sobre a influência das línguas africanas
na língua portuguesa do Brasil, e cunhou o termo “pretoguês”, para caracterizar
a linguagem comunicada por brasileiros de tez negra. González questionou se
pessoas que vêem ignorância em afrodescendentes que dizem framengo ao invés de flamengo,
por exemplo, na verdade são as ignorantes por desconhecerem que essa troca do l pelo r tem influência das línguas africanas no Brasil, onde o l não existe.
Ao ler a citação de Lélia
Gonzalez no texto Lélia Gonzalez e o
português afro-brasileiro como ato político e de resistência, de Luma
Oliveira, lembrei que minha avó – que é negra, assim como eu – sempre utiliza o
r ao invés do l na pronúncia das palavras, e pensei que talvez esse seja o motivo
de ela dizer sempre framengo, já que
ela costuma se expressar “perfeitamente” bem.
Não afirmo aqui –
principalmente devido a toda tentativa de apagamento das culturas africanas e
indígenas no Brasil por parte dos europeus – que TODAS as pessoas que falam de
determinadas formas são influenciadas diretamente pelas línguas africanas (e
outras), mas que essa influência existe e faz parte da linguagem de muitos
afrodescendentes brasileiros. A língua portuguesa falada
no Brasil, carrega em sua história, resistências de outras motivações além da mencionada
por Mia Couto.
Quem escreveu hoje: Jéssica
Dandara.
Estudante de Letras na
Universidade Federal do Amazonas, estuda Carolina de Jesus como pesquisadora de
iniciação científica em Literatura, faz parte do grupo de pesquisa Relações de gênero, poder e violência em
literaturas de língua portuguesa, coordenado pela professora da UFAM e Dra.
em Literatura Portuguesa Nicia Zucolo.
Integrante do
Coletivo Feminista Baré, Coletivo Negro Alexandrina, Rede Ciberativistas Negras,
coordenadora nacional do Fórum Nacional de Juventude Negra. Administra a página
Dicionário Subersivo.
Referências:
Mia Couto - As colonizações e a língua portuguesa,
direção de Eduardo Wannmacher, duração de 2 minutos e 2 segundos, 2014.
Disponível em: . Acesso:
22/03/2018.
OLIVEIRA, Luma. Lélia Gonzalez e o português afro-brasileiro como ato político e de resistência,
2017. Disponível em: .
Acesso: 22/03/2018.
Muito bom. Texto breve, mas instigador. Parabéns à autora.
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