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sexta-feira, 23 de março de 2018

Um contraponto às afirmações de Mia Couto no vídeo As colonizações e a língua portuguesa

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Um contraponto às afirmações de Mia Couto no vídeo As colonizações e a língua portuguesa

Na aula de História da Língua Portuguesa, do curso de Letras, assisti a um vídeo do escritor moçambicano Mia Couto que me levou a algumas reflexões que compartilho aqui com vocês. Mesmo não trazendo nada de novo, que não tenha sido escrito antes, acredito ser pertinente que essa discussão seja feita em relação ao contexto desse vídeo:




A diferença da língua portuguesa falada no Brasil em relação a outros países se dá pelo fator histórico, conforme afirma Mia Couto em As colonizações e a língua portuguesa, mais que isso, carrega uma identidade cultural por conta da língua dos povos indígenas que aqui já habitavam, também dos imigrantes que vieram para trabalhar e dos africanos que foram arrancados de suas terras para serem escravizados no Brasil. O escritor diz que a língua portuguesa utilizada no Brasil é diferente de outras por causa de um posicionamento de resistência, em demarcar autonomia através da língua após ser um país independente. Os povos que aqui já habitavam e os que vieram para cá – por diversos fins – exerceram um papel fundamental nessa demarcação.

Contudo, é possível inferir também que nem toda resistência na língua portuguesa se deu pela mesma finalidade. Muitos povos preservaram traços de sua língua para que a cultura europeia não predominasse em detrimento do total apagamento das identidades que os europeus tentaram invisibilizar, de negros e indígenas. A intelectual, antropóloga e professora Lélia Gonzalez estudava sobre a influência das línguas africanas na língua portuguesa do Brasil, e cunhou o termo “pretoguês”, para caracterizar a linguagem comunicada por brasileiros de tez negra. González questionou se pessoas que vêem ignorância em afrodescendentes que dizem framengo ao invés de flamengo, por exemplo, na verdade são as ignorantes por desconhecerem que essa troca do l pelo r tem influência das línguas africanas no Brasil, onde o l não existe.

Ao ler a citação de Lélia Gonzalez no texto Lélia Gonzalez e o português afro-brasileiro como ato político e de resistência, de Luma Oliveira, lembrei que minha avó – que é negra, assim como eu – sempre utiliza o r ao invés do l na pronúncia das palavras, e pensei que talvez esse seja o motivo de ela dizer sempre framengo, já que ela costuma se expressar “perfeitamente” bem.

Não afirmo aqui – principalmente devido a toda tentativa de apagamento das culturas africanas e indígenas no Brasil por parte dos europeus – que TODAS as pessoas que falam de determinadas formas são influenciadas diretamente pelas línguas africanas (e outras), mas que essa influência existe e faz parte da linguagem de muitos afrodescendentes brasileiros. A língua portuguesa falada no Brasil, carrega em sua história, resistências de outras motivações além da mencionada por Mia Couto.

Quem escreveu hoje: Jéssica Dandara.


Estudante de Letras na Universidade Federal do Amazonas, estuda Carolina de Jesus como pesquisadora de iniciação científica em Literatura, faz parte do grupo de pesquisa Relações de gênero, poder e violência em literaturas de língua portuguesa, coordenado pela professora da UFAM e Dra. em Literatura Portuguesa Nicia Zucolo.

Integrante do Coletivo Feminista Baré, Coletivo Negro Alexandrina, Rede Ciberativistas Negras, coordenadora nacional do Fórum Nacional de Juventude Negra. Administra a página Dicionário Subersivo

Referências:

Mia Couto - As colonizações e a língua portuguesa, direção de Eduardo Wannmacher, duração de 2 minutos e 2 segundos, 2014. Disponível em: . Acesso: 22/03/2018.

OLIVEIRA, Luma. Lélia Gonzalez e o português afro-brasileiro como ato político e de resistência, 2017. Disponível em: . Acesso: 22/03/2018.

Um comentário:

  1. Muito bom. Texto breve, mas instigador. Parabéns à autora.

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